O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta segunda-feira (3) se mantém medidas para proteger indígenas em meio à pandemia do novo coronavírus, determinadas em julho pelo ministro Luís Roberto Barroso. É o primeiro julgamento da Corte após o fim do recesso Judiciário.
O ministro é o relator de uma ação apresentada por partidos e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). No início de julho, Barroso determinou a adoção pelo governo de medidas de proteção a indígenas.
Durante a sessão, o ministro apresentou o voto (leia os detalhes mais abaixo), reiterando a decisão de julho. O julgamento, então, foi interrompido e deve ser retomado na próxima quarta (5), com os votos dos demais ministros.
A ação foi apresentada no mesmo dia em que o presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou trechos da lei de proteção aos povos indígenas contra a Covid-19. Agora, o plenário precisa decidir se referenda a determinação de Barroso.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas, atualmente são 21.646 indígenas contaminados pelo coronavírus, e 623 mortes em 148 povos afetados.
Número de casos e mortes por Covid-19 entre indígenas dispara em julho, segundo APIB
Na decisão de julho, Barroso determinou que o governo adotasse cinco medidas para proteger os índios e afirmou que o plano de contingência, elaborado anteriormente, é vago e traz apenas orientações gerais.
Entre as determinações ao governo estão: criar uma sala de situação para gerenciar o combate à pandemia entre esses povos com participação de indígenas; fixar medidas para conter invasores nas terras dessas comunidades; e garantir o acesso ao sistema de saúde para indígenas que vivem também em áreas não homologadas.
O texto aprovado pelo Congresso considera que povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais são grupos em situação de vulnerabilidade extrema e determina ações para o governo federal diminuir os impactos da pandemia:
- garantir acesso a testes rápidos e do tipo PCR;
- fornecer remédios e equipamentos;
- organizar o atendimento em centros urbanos e acompanhar os casos que envolvem indígenas;
- contratar profissionais para reforçar o apoio à saúde indígena;
- construir hospitais de campanha nos municípios próximos às aldeias.
Bolsonaro vetou 16 pontos do texto, entre eles, o que previa que União, estados e municípios garantissem:
- acesso universal à água potável;
- leitos de UTI;
- ventiladores e máquinas de oxigenação do sangue;
- distribuição de materiais informativos sobre a Covid;
- facilitação do pagamento do auxílio emergencial e benefícios previdenciários.
O governo afirmou que os trechos criariam despesas sem uma previsão orçamentária.
A sala de situação teve sua primeira reunião no dia 17 de julho, mas parte de representantes de povos indígenas considerou o tratamento do governo "humilhante", com ofensas e ameaças.
Depois do relato dos indígenas, o ministro determinou que os encontros da sala de situação contassem com a presença de Maria Thereza Uille Gome, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de um observador de seu gabinete.
O Ministério da Saúde afirmou que já mantém o saneamento e o abastecimento de água para terras e territórios indígenas atendidos pela pasta, que tem garantido assistência aos mais de 750 mil indígenas, que reforçou as ações de informação, prevenção e combate ao coronavírus com as comunidades indígenas, gestores e colaboradores de todo o Brasil, e que enviou quase 800 mil itens de saúde aos distritos sanitários especiais indígenas.
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF — Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Voto do relator
Ao votar nesta segunda-feira, Luís Roberto Barroso reiterou os argumentos da decisão de julho. "A primeira preocupação que me moveu foi a proteção da vida e da saúde, inclusive pelo risco de extinção de etnias se a doença se espalhar de forma descontrolada", afirmou.
Barroso disse que procurou estabelecer um diálogo institucional, já que as políticas públicas dependem da atuação do Ministério da Saúde e das Forças Armadas. O ministro também defendeu o respeito a tratados internacionais de proteção aos povos indígenas.
"É certo que a União deve se organizar para enfrentar o problema, que só faz crescer”, afirmou ainda Barroso. “A remoção dos invasores das terras indígenas é medida imperativa, imprescindível e é dever da União. É inaceitável a inação do governo federal não de um específico, de qualquer um e talvez de todos até aqui em alguma medida, é inaceitável a inação em relação a invasões em terras indígenas.”
O ministro afirmou também que “as invasões são para a prática de crimes, como desmatamento, queimadas, como a extração ilegal de madeira e a degradação da floresta”.
“Não é pequena a consequência da degradação e do desmatamento. O mundo não está nos olhando horrorizado por acaso, é porque há consequências para o ciclo da água, há consequências para a biodiversidade, para a mudança climática, e eu espero que com grande atraso, mas não tarde demais, o Brasil tenha, pela sua sociedade e pelo seu governo acordado para a importância do papel que nós representamos para o mundo e o dever que temos de criar uma economia sustentável, sobretudo para a Amazônia para que a preservação da floresta de pé valha mais do que a ambição de derrubá-la”, completou.